sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Os Versos Que Te Fiz




Os versos que te fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que a minha boca tem para te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim para te oferecer

Têm dolência de veludos caros,

São como sedas pálidas a arder...
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas,meu Amor,eu não tos digo ainda.

Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz

Amo-te tanto!E nunca te beijei...

E nesse beijo,Amor,que eu não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca

Fumo




Fumo

Longe de ti são ermos os caminhos

Longe de ti não há luar nem rosas
Longe de ti há noites silenciosas
Há dias sem calor, beirais sem ninhos

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos

Perdidos pelas noites invernosas
Abertos sonham mãos cariciosas
Tuas mãos doces, plenas de carinho

Os dias são outonos: choram, choram

Há crisântemos roxos que descoram
Há murmúrios dolentes de segredo
Invoco o nosso sonho, entendo os braços

e é ele oh meu amor, pelos espaços

fumo leve que foge entre os meus dedos.

Florbela Espanca

Vaidade





VAIDADE

Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,
Que tem a inspiração pura e perfeita,
Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo! E que deleita
Mesmo aqueles que morrem de saudade!
Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo...

Aquela de saber vasto e profundo,
Aos pés de quem a Terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,
Acordo do meu sonho...E não sou nada!...

Florbela Espanca

Canção Grata




Canção grata

Por tudo o que me deste

inquietação cuidado
um pouco de ternura
é certo mas tão pouca
Noites de insónia
Pelas ruas como louca
Obrigada, obrigada

Por aquela tão doce

e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão

Que bem que me faz agora

o mal que me fizeste
Mais forte e mais serena
E livre e descuidada
Sem ironia amor obrigada
Obrigada por tudo o que me deste

Por aquela tão doce

e tão breve ilusão
Embora nunca mais
Depois de que a vi desfeita
Eu volte a ser quem fui
Sem ironia aceita
A minha gratidão.

Florbela Espanca






Eu tenho pena da Lua!

Tanta pena, coitadinha,
Quando tão branca, na rua
A vejo chorar sozinha!...


As rosas nas alamedas,

E os lilases cor da neve
Confidenciam de leve
E lembram arfar de sedas


Só a triste, coitadinha...

Tão triste na minha rua
Lá anda a chorar sozinha ...


Eu chego então à janela:

E fico a olhar para a lua...
E fico a chorar com ela! ...

Florbela Espanca

Lágrimas Ocultas




Lágrimas Ocultas

Se me ponho a cismar em outras eras

Em que rí e cantei, em que era querida,
Parece-me que foi outras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...

E a minha triste boca dolorida

Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!

E fico, pensativa, olhando o vago...

Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!

Florbela Espanca