quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Soneto 23


 Soneto 23

 Como no palco o ator que é imperfeito Faz mal o seu papel só por temor, Ou quem, por ter repleto de ódio o peito Vê o coração quebrar-se num tremor, Em mim, por timidez, fica omitido O rito mais solene da paixão; E o meu amor eu vejo enfraquecido, Vergado pela própria dimensão. Seja meu livro então minha eloqüência, Arauto mudo do que diz meu peito, Que implora amor e busca recompensa Mais que a língua que mais o tenha feito. Saiba ler o que escreve o amor calado: Ouvir com os olhos é do amor o fado.

 William Shakespeare

Soneto 17


 Soneto 17

Se te comparo a um dia de verão És por certo mais belo e mais ameno O vento espalha as folhas pelo chão E o tempo do verão é bem pequeno. Ás vezes brilha o Sol em demasia Outras vezes desmaia com frieza; O que é belo declina num só dia, Na terna mutação da natureza. Mas em ti o verão será eterno, E a beleza que tens não perderás; Nem chegarás da morte ao triste inverno: Nestas linhas com o tempo crescerás. E enquanto nesta terra houver um ser, Meus versos vivos te farão viver.

 William Shakespeare

Não tem olhos


Não tem olhos solares, meu amor; Mais rubro que seus lábios é o coral; Se neve é branca, é escura a sua cor; E a cabeleira ao arame é igual. Vermelha e branca é a rosa adamascada Mas tal rosa sua face não iguala; E há fragrância bem mais delicada Do que a do ar que minha amante exala. Muito gosto de ouvi-la, mesmo quando Na música há melhor diapasão; Nunca vi uma deusa deslizando, Mas minha amada caminha no chão. Mas juro que esse amor me é mais caro Que qualquer outra à qual eu a comparo.

 William Shakespeare

Esta estação do ano


Esta estação do ano podes vê-la em mim: folhas caindo ou já caídas; ramos que o frémito do frio gela; árvore em ruína, aves despedidas. E podes ver em mim, crepuscular, o dia que se extingue sobre o poente, com a noite sem astros a anunciar o repouso da morte, gradualmente. Ou podes ver o lume extraordinário, morrendo do que vive: a claridade, deitado sobre o leito mortuário que é a cinza da sua mocidade. Eis o que torna o teu amor mais forte: amar quem está tão próximo da morte. 

 William Shakespeare

Foi tal e qual


Foi tal e qual o inverno a minha ausência de ti, prazer dum ano fugitivo: dias nocturnos, gelos, inclemência; que nudez de dezembro o frio vivo. E esse tempo de exílio era o do verão; era a excessiva gravidez do outono com a volúpia de maio em cada grão: um seio viúvo, sem senhor nem dono. Essa posteridade em seu esplendor uma esperança de órfãos me parecia: contigo ausente, o verão teu servidor emudeceu as aves todo o dia. Ou tanto as deprimiu, que a folha arfava e no temor do inverno desmaiava. 

 William Shakespeare

E então, que quereis?



E então, que quereis?

Fiz ranger as folhas de jornal abrindo-lhes as pálpebras piscantes. E logo de cada fronteira distante subiu um cheiro de pólvora perseguindo-me até em casa. Nestes últimos vinte anos nada de novo há no rugir das tempestades. Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas.

 Vladimir Maiakovski