terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Da discrição


Da discrição

Não te abras com teu amigo Que ele um outro amigo tem. E o amigo do teu amigo Possui amigos também...

Mário Quintana

Se eu fosse um padre


 Se eu fosse um padre

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões, não falaria em Deus nem no Pecado - muito menos no Anjo Rebelado e os encantos das suas seduções, não citaria santos e profetas: nada das suas celestiais promessas ou das suas terríveis maldições... Se eu fosse um padre eu citaria os poetas, Rezaria seus versos, os mais belos, desses que desde a infância me embalaram e quem me dera que alguns fossem meus! Porque a poesia purifica a alma ... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte - um belo poema sempre leva a Deus!

Mário Quintana

A canção da vida


 A canção da vida

A vida é louca a vida é uma sarabanda é um corrupio... A vida múltipla dá-se as mãos como um bando de raparigas em flor e está cantando em torno a ti: Como eu sou bela amor! Entra em mim, como em uma tela de Renoir enquanto é primavera, enquanto o mundo não poluir o azul do ar! Não vás ficar não vás ficar aí... como um salso chorando na beira do rio... (Como a vida é bela! como a vida é louca!)

Márioi Quintana

A Morte Absoluta


 A Morte Absoluta

Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, Cercada de flores, Que apodrecerão – felizes! – num dia, Banhada de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: "Quem foi?..." Morrer mais completamente ainda, – Sem deixar sequer esse nome.

Manuel Bandeira

Os poemas


 Os poemas

Os poemas são pássaros que chegam não se sabe de onde e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam vôo como de um alçapão. Eles não têm pouso nem porto; alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem. E olhas, então, essas tuas mãos vazias, no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti... 

Mário Quintana