segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Abismo


Abismo

Olho o Tejo, e de tal arte
Que me esquece olhar olhando,
E súbito isto me bate
De encontro ao devaneando —
O que é ser-rio, e correr?
O que é está-lo eu a ver?
                Sinto de repente pouco,
                Vácuo, o momento, o lugar.
                Tudo de repente é oco —
                Mesmo o meu estar a pensar.
                Tudo — eu e o mundo em redor —
                Fica mais que exterior.
Perde tudo o ser, ficar.
E do pensar se me some.
Fico sem poder ligar
Ser, idéia, alma de nome
A mim, à terra e aos céus.
                E súbito encontro Deus. 

Fernando Pessoa

Nenhum comentário:

Postar um comentário